Será que musical rima mesmo com Portugal?






Com Filipe La Féria a estrear ‘West Side Story’ e o Maria Matos a prolongar ‘Cabaret’, Ana Dias Ferreira foi saber se o teatro musical está ou não a ganhar espaço nas salas.


Entre Lisboa e Nova Iorque vão mais de cinco mil quilómetros de distância. Entre a Rua das Portas de Santo Antão e a Broadway vão mais de 30 musicais de diferença, por dia. Porque Lisboa não é Nova Iorque e a rua do Teatro Politeama não é a Broadway. Mas uma coisa é certa: escalas à parte, se há musicais a fazerem-se em Lisboa regularmente, musicais à séria, de grande produção, eles passam por Filipe La Féria e pelo Politeama. E praticamente por mais lado nenhum.
Essa é a conclusão a que se chega quando se pergunta como vai o teatro musical em Lisboa: o que há, está concentrado nas mãos de La Féria: My Fair Lady, Música no Coração, Jesus Cristo Superstar e agora, com estreia marcada para dia 21, West Side Story, foi La Féria quem trouxe. E embora sejam cada vez mais os encenadores e as produtoras a arriscar no género, esses são, para já, acontecimentos pontuais.


Diogo Infante, que estreou Cabaret em Setembro (o musical está em cena no Teatro Maria Matos e tem sido um sucesso tão grande que vai ser prolongado até final de Fevereiro, mais dois meses do que o inicialmente previsto), não hesita em dizer que “não há tradição do género musical em Portugal”. Poder-se-ia falar de uma tradição ligada à revista à portuguesa, acrescenta o actor, mas esse é um género que, apesar de se servir de alguns números musicais, “é política e socialmente mais satírico e burlesco”.


A mesma ideia é partilhada por João Lourenço, encenador que dirige o Teatro Aberto e que encenou, recentemente, Sweeney Todd, a história do barbeiro sangrento musicada por Stephen Sondheim. “O musical americano que tem sido feito cá, tem sido feito pelo Filipe La Féria, mas não sei se já podemos falar numa tradição. Parece-me que ainda não passou tempo suficiente.”

Foi há 16 anos que o Politeama, anteriormente um cinema pornográfico, abriu portas sob a gestão de La Féria. A estreia fez-se com Maldita Cocaína, um musical português criado de raiz pelo encenador. Como esse, seguiu-se Amália, o maior sucesso do Politeama até à data (seis anos em cena, contando com a digressão). Depois, La Féria dedicou-se a “fazer os clássicos”. Os tais My Fair Lady, Música no Coração, Jesus Cristo Superstar, ou o Um Violino no Telhado, actualmente em cena no Teatro Rivoli, no Porto. West Side Story – Amor sem Fronteiras, de Arthur Laurents, com música de Leonard Bernstein e libreto de Stephen Sondheim, é mais uma estreia nesse seguimento. Como tem acontecido com as outras produções, espera-se casa esgotada meses e meses a fio. Depois disto, talvez La Féria regresse aos temas nacionais.


“Tenho vontade de voltar a escrever um musical português”, diz o encenador. “Ainda não o fiz porque achei que o Amália tinha atingido um auge difícil de ultrapassar e porque sempre quis trazer os clássicos.” Além disso, continua o encenador, “o Politeama não é um teatro subsidiado pelo Estado, os espectáculos têm o patrocínio de um banco, e por isso têm de interessar o patrocinador.”

A lógica comercial é uma lógica que está muito ligada ao musical. O que não é necessariamente mau. “A ideia de teatro comercial tem um sentido pejorativo associado que nem sempre é justo”, diz Diogo Infante. “O teatro musical tem que ser comercial porque ele não é subsidiado e logo só sobrevive com as receitas que consegue gerar.” À partida, continua Infante, este “é um género potencialmente rentável, quer pela sua natureza universal, quer pela espectacularidade que lhe é normalmente associada.”

Em West Side Story são 60 pessoas em palco, fora os técnicos. Para La Féria, essa é parte da razão que explica porque é que não se fazem mais musicais em Portugal: “porque é um risco financeiro enorme, são espectáculos muito caros na sua montagem.” Para além disso, “requerem uma enorme preparação vocal e corporal”, diz La Féria, que considera que “cá, ainda é necessário uma enorme aprendizagem nesta área”. É por isso que o seu projecto mais ambicioso, revela, é transformar o cinema Olímpia, que alugou recentemente, numa escola de musical. O reinado continua?

Ana Dias Ferreira in Time Out
terça-feira, 11 de Novembro de 2008

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