A Memória de Pinter #3






Continuando o Dossier que o Guia dos Teatros tem vindo a dedicar ao dramaturgo Harold Pinter (ver link) aqui ficam mais alguns textos e uma detalhada filmografia feita quando o autor foi homenageado em 2006 pelo FamaFest em Vila Nova de Famalicão e que foram publicados no blog do festival.

A MORTE DE HAROL PINTER
Dia 25 de Dezembro de 2008, morreu Harold Pinter, com 78 anos, prémio Nobel da Literatura de 2005, e um dos mais importantes escritores, dramaturgos, intelectuais europeus. Em 2006 foi homenageado no Famafest - Festival de Famalicão - Cinema e Literatura. Aqui deixamos alguns dos textos então publicados no programa do festival, onde se destaca uma filmografia de Harold Pinter como escritor (adaptado), argumentista, realizador e actor.

O QUE NÃO DIZ
"Harold Pinter é alguém atento ao quotidiano do nosso tempo. A sua obra é um espelho de uma situação que não é necessariamente simples", diz João Barrento

Ouviram-se aplausos, ontem, em Estocolmo, quando o secretário da Academia Sueca anunciou a decisão de atribuir o Prémio Nobel da Literatura de 2005 ao dramaturgo inglês Harold Pinter. O galardão surge meses depois de Pinter ter anunciado que não iria escrever mais teatro e pouco tempo antes de estar agendado o seu regresso aos palcos, enquanto actor, para representar uma peça de Samuel Beckett no Royal Court Theatre, em Londres.
Aos 75 anos, Harold Pinter é o décimo autor britânico, e o segundo em cinco anos, a ser distinguido com o mais prestigiante e lucrativo prémio das letras, no valor de 1,1 milhões de euros. É também o segundo dramaturgo premiado na história recente do Nobel, depois do italiano Dario Fo, em 1999. Em relação a Fo, Pinter representa "uma subida de escalão", segundo declarou à Lusa Ricardo Pais, director do Teatro de S. João. A Academia justifica a escolha pelo facto de Pinter ser "o principal representante da dramaturgia britânica da segunda metade do século XX" e de ter recriado o teatro como forma de arte. Um autor que fez uma síntese inovadora das principais correntes do teatro - clássico e contemporâneo -, criando "uma atmosfera e ambiência específicas" que o próprio baptizou com um adjectivo adaptado do seu nome "pintaresco". Nas suas obras típica - e para citar mais uma vez a Academia - "encontramos pessoas que se defendem de intrusões estranhas ou das suas próprias pulsões, refugiando-se numa existência reduzida e controlada".
São palavras de quem tem necessidade de classificar uma obra. Sobre ela, o autor diz apenas "Não consigo resumir nenhuma das minhas peças. Não consigo descrever nenhuma. O que sei dizer: foi assim que se passou, foi isto o que disseram, isto o que fizeram."
A "auto-apreciação" encaixa no que sobre ele João Barrento, o catedrático que assinou, em 1964, uma tese precisamente sobre o teatro de Harold Pinter "É alguém atento ao quotidiano do nosso tempo, que ia beber informação aos autocarros de Londres. A sua obra é um espelho de uma situação que não é necessariamente simples, ainda que os problemas de que fala possam ser os vividos por qualquer um de nós." Um teatro onde o não dito é mais importante do que o que se diz. "Ele consegue, entre duas frases comuns, criar uma rede e fazer vir o perigo. No que apaga revela o mundo", declarou também o encenador Jorge Silva Melo, mostrando-se bastante satisfeito com a escolha: "O teatro quase não entra nas páginas literárias da actualidade. É interessante que um autor de teatro seja consagrado com o Nobel. Neste caso, um autor que tem marcado a uma posição contrária à actual política mundial."
O nome de Harold Pinter constava da longa "lista" dos candidatos ao Nobel deste ano, que incluía ainda os escritores norte-americanos Philip Roth e Joyce Carol Oates, o poeta sueco Thomas Transtromer, o checo Milan Kundera ou o poeta sul-coreano Ko Un. Embora o favoritismo recaísse sobre o turco Orhan Pamuk ou o poeta sírio Adonis (cujo nome verdadeiro é Ali Ahmad Said), não se pode dizer que o anúncio do nome de Pinter como vencedor deste ano tivesse causado tanta surpresa como a que provocou Elfriede Jelinek, a escritora austríaca que ganhou o Nobel em 2004.
Natural de Hackney, Londres, onde nasceu a 10 de Outubro de 1930, filho de imigrantes judeus, Harold Pinter frequentou a Real Academia de Artes Dramáticas e publicou os primeiros poemas em 1950. A sua carreira no teatro começou nos palcos, como actor. Em 1957, estreia-se como dramaturgo, com a peça “The Room”, mas só se afirmaria como autor em 1960 com aquela que é considerada uma "obra-prima do absurdo", “The Caretaker” (peça que os Artistas Unidos produziram em 2002, com o título “O Encarregado”).
Foi o princípio de um percurso onde se contabilizam mais de trinta peças teatrais, mas também obras para rádio, televisão e cinema. Numas e noutras, destacam-se as marcas do mestre. A começar por aquilo a que o realizador de cinema Alberto Seixas Santos chama de a incerteza do sentido", num artigo que escreveu sobre a obra de Pinter no n.º 8 da revista Artistas Unidos. "Nunca sabemos exactamente qual o grau de veracidade, de 'realismo', por assim dizer, que ali há, e o que ali há é fruto de estratégias de competitividade e de poder (...) No fundo do trabalho dele está sempre a questão do poder. E o poder é sempre violência", afirmou Seixas Santos numa altura em que projectava encenar “Comemorações”, de Harold Pinter, para os Artistas Unidos (2004).
"Imprensa: Senhor ministro, antes de ser Ministro da Cultura, creio que o senhor foi chefe da Polícia Secreta. Ministro: Correcto. Imprensa: vê alguma contradição entre estes dois papéis? Ministro: Absolutamente nenhuma."
Este é o início do último texto de Harold Pinter levado à cena em Portugal, no Teatro D. Maria II, numa produção dos Artistas Unidos. Foi em Junho deste ano. Em Março, Pinter anunciara a intenção de abandonar a escrita para teatro, três anos depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro no esófago. Foi um período em que ficou conhecido, sobretudo, pelas suas posições políticas. Crítico acérrimo da Administração Bush e de Tony Blair, manifestou-se contra a intervenção no Iraque. Uma oposição que deixou registada em poema. A sua intervenção política estendeu-se a Portugal. Em 2002, dirigiu um telegrama a Pedro Santana Lopes, então presidente da Câmara de Lisboa, contestando a decisão de retirar os Artistas Unidos do espaço A Capital.
Agora, diz que quer dedicar-se apenas à poesia. Ao saber que tinha vencido o Nobel da Literatura declarou "Estou estupefacto. (...) tenho de parar de me sentir assim quando chegar a Estocolmo."
Isabel Lucas, in DN


PINTER, O RETICENTE
As peças de Harold Pinter cultivam uma fascinante noção de economia. Como em “Old Times” (1971), jogo de memórias e confrontos que nos deixa muito poucas certezas mas que capta com inteligência uma inegável nebulosidade nos nossos afectos e lembranças. O dramaturgo inglês é um realista com um domínio da linguagem que ultrapassa o simples naturalismo, de tão cuidada (mas não artificial), de tão atenta aos ritmos, repetições, pausas, saltos lógicos, banalidades. Como escreve Martin Esslin num estudo clássico, se em teatro o diálogo é acção, então nas peças pinterianas as situações concretas com pessoas concretas existem acima de tudo através dos diálogos lacónicos mas extremamente precisos. (...) (ver restante dossier e filmografia completa aqui)

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