"Os Maias" no Trindade






Já soa o piano do maestro Cruges quando Carlos Eduardo da Maia e João da Ega, seu amigo inseparável, chegam ao Teatro da Trindade. Vemo-los sair da carruagem e seguir pela porta principal, cortesia de uma tela gigante que nos deixa acompanhar os passos dos dois até que entram em palco e se instalam num dos camarotes que fazem parte do cenário. Ficamos a saber que vieram para o sarau de beneficência, um dos eventos que, à época, não se podia perder em Lisboa.
Nós, sentados na plateia, recuamos mais de um século para voltar ao Trindade dos tempos de Eça de Queiroz, mas com vista privilegiada para os espectadores de então. Os Maias no Trindade, com encenação de Rui Mendes, estreia-se já amanhã, quinta-feira, numa representação que não foge ao romance original mas ganhou o nome do espaço em que se apresenta. Isto porque é a seguir ao sarau que teve lugar no Trindade, que surge a brutal revelação da consanguinidade entre Carlos e Maria Eduarda, os amantes que, afinal, também são irmãos.

Folheando a obra, é no capítulo XVI que localizamos o encontro da fina sociedade oitocentista neste teatro lisboeta, e a partir do qual se inicia o texto escrito por António Torrado. A partir daí, o dramaturgo oferece-nos um longo flashback que percorre a história da família Maia ao longo de três gerações, até regressar ao momento em que é descoberto o incesto e a acção se precipita para o trágico final. Na conclusão da peça, como do livro, reflectem-se as intenções de Eça: um sopro de optimismo, depois da crítica feroz à inércia da burguesia endinheirada.

“Fizemos a nossa visão, tentando ser leais ao espírito da obra”, explica Rui Mendes, que sentiu a responsabilidade de mostrar em duas horas uma narrativa que, em algumas edições, chega quase às 900 páginas. Para António Torrado, “o processo foi doloroso”, sobretudo na escolha das partes a eliminar. Sem tirar protagonismo ao melodrama familiar, quis beneficiar os “episódios da vida romântica” que surgem no subtítulo d’ Os Maias, uma crónica de costumes que aponta também aos dias de hoje. “Não é preciso pôr isto em 2009 para se apreenderem as similitudes com a época actual”, concorda o encenador.

Em palco, este cruzar de tempos e perspectivas traduz-se numa sobreposição de cenários, do Ramalhete ao Hotel Central, escondidos ou descobertos através de um jogo de luzes estratégico que remete para o lugar da acção. Por vezes, as próprias personagens acompanham esta mudança e participam em mais de um quadro ao mesmo tempo, saltando entre situações do passado e do presente.

Há 12 actores para 16 personagens. A única mulher no elenco é Sofia Duarte Silva, que encarna Maria Eduarda e se desdobra na sua mãe, Maria de Monforte. José Fidalgo é Carlos da Maia, José Airosa o seu companheiro Ega.
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